No dia 16/11/21, “A Gazeta” noticiou o curioso caso do Padre de Guarapari, que desabafou na missa da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição toda sua incredulidade a respeito de a Igreja estar sendo processada em função do incômodo gerado pelo badalar de seus sinos: “Sinceramente, estamos vivendo em uma sociedade complicada. Há dois mil anos os sinos tocam. Vou em várias cidades do mundo inteiro e sempre ouvi sinos de igreja tocando… é só para partilhar com vocês dessa minha dor, pois isso se torna uma dor. Já disse hoje de manhã (domingo) e vou repetir: se eu tiver que tirar o sino da matriz do Centro, eu não fico nessa cidade”.
Não é nosso objetivo aqui tecer qualquer comentário sobre o processo em curso. Não importa. O fato que ressaltamos é apenas o de que as demandas judiciais se tornaram algo cada vez mais banalizado no Brasil. Pelos motivos mais comezinhos se busca o Judiciário, e o fato de há milênios sinos de igrejas ressoarem em comunidades, como a de Guarapari, não parece ser elemento inibidor para que se traga a um processo judicial o debate sobre a viabilidade de tal prática.
As portas do Judiciário estão abertas. Com custos significativamente baixos é possível propor uma demanda judicial, e se consideramos o enorme percentual de casos abrigados pela “Justiça Gratuita”, demandar praticamente não representa qualquer risco para a parte. Isso significa que, pelo nosso sistema, quem provoca o Judiciário não precisa avaliar se sua causa, tem, verdadeiramente, fundamentos. Não. Basta ajuizar a ação e ver “no que dá”, já que a consequência para o demandante, em caso de derrota, provavelmente será nenhuma.
O Brasil, assim, passa a ter um Judiciário que consome três vezes mais recursos da população, se comparado a países ricos e desenvolvidos, gastando mais de 1,3% do nosso produto interno bruto e que soma, hoje, mais de 75 milhões de processos judiciais, que entopem os escaninhos da Justiça. Apenas no ano passado foram a ajuizados 25 milhões de novos processos no Brasil, de modo que 1 em cada 10 brasileiros ingressou com ação judicial no ano de 2020.
E ao contrário do que se esperaria, mesmo nos poucos casos em que o Legislativo tenta restringir as hipóteses de gratuidade, e impor verdadeiras consequências a quem demanda sem fundamento, o Judiciário tem respondido negativamente. Um exemplo. Em recente julgado (ADIN 5766), o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a parte da Reforma Trabalhista que restringia a possibilidade de demandar gratuitamente, e impunha risco financeiro a quem demandava aquilo a que não tinha direito (artigo 791-A, § 4º, da CLT).
Os sinos devem servir de alerta, para nosso país, e para como pensamos o nosso Judiciário. As portas do acesso à Justiça foram escancaradas, e o povo está pagando uma conta muito cara, pela enorme litigiosidade, e pelos custos atrelados à movimentação dessa máquina. Hora de sermos mais seletivos, pensarmos em filtros e deixamos apenas as questões mais relevantes e fundamentadas para a apreciação da Justiça.
Artigo publicado no dia 17 de Novembro de 2021 na coluna Opinião do Jornal A Gazeta