A definição proveniente do Superior Tribunal de Justiça não fechou os olhos para os casos excepcionais, deixando o usuário de planos de saúde em situação de abandono nas hipóteses em que o rol da ANS se mostrar absolutamente inadequado.

A notícia de que na tarde de ontem (8 de junho) o Superior Tribunal de Justiça declarou que os planos de saúde não podem ser obrigados, via de regra, a custearem procedimentos não previstos do rol da Agência Nacional de Saúde não repercutiu bem para os consumidores. Afinal, quem está doente e necessita de um tratamento médico não deseja ter suas opções limitadas por uma lista, criada em Brasília, por técnicos da saúde. Quer (e quem não gostaria?) poder ter acesso a tudo que a medicina tem para oferecer, inclusive os tratamentos mais modernos e mais caros.

A limitação declarada, ontem, pelo STJ, pode, então, transparecer uma preferência para os interesses mercadológicos e empresariais dos grandes conglomerados de planos de saúde, em detrimento dos consumidores e, especialmente, das pessoas que necessitam hoje de tratamentos médicos modernos e eficazes.

É evidente que a gestão dos planos de saúde é beneficiada com essa medida. Ter uma empresa, sem ter condições de saber com uma mínima previsibilidade, quais serão seus custos futuros, é uma tarefa ingrata. Na medida em que os planos de saúde passam a ter segurança do que devem, e do que não devem custear, todo o planejamento estratégico e financeiro da empresa se beneficia.

Mais do que isso. A segurança jurídica reduz a litigância desenfreada. Milhões de ações são ajuizadas no país diante da incerteza do que pode, e do que não pode, o plano de saúde custear. Enquanto o Judiciário fornece uma resposta mais precisa e mais objetiva, a tendência é a redução do número de processos, reduzindo os custos transacionais impostos às empresas, hoje obrigadas a manter exércitos de advogados.

A medida, todavia, não pode ser encarada como uma simples vitória dos planos de saúde contra a sociedade.  Há dois motivos para se pensar que a sociedade, de um modo geral, também pode se beneficiar.

O primeiro motivo diz respeito aos processos judiciais. Se as empresas sofrem com os altos custos impostos pela litigância, a sociedade também sofre. Afinal, são os cidadãos, por meio dos impostos, que arcam com os altíssimos custos do Judiciário. Igualmente, são os cidadãos que sofrem com a demora do processo, ocasionada pelo enorme congestionamento das varas e tribunais do país. O oferecimento de maior certeza jurídica, a respeito do que os planos de saúde devem, ou não devem, fornecer a seus usuários tem a tendência de reduzir o número de processos e de ajudar a aliviar a chamada Crise do Judiciário.

O segundo motivo diz respeito ao mercado de planos de saúde. Na medida em que as empresas têm a expectativa de que seus consumidores, mediante processos judiciais futuros, podem impor custos adicionais com o pagamento de tratamentos e procedimentos médicos não previstos no rol da ANS, tais circunstâncias são necessariamente repassadas paras as planilhas de custo, e os serviços de plano de saúde, vendidos ao consumidor, sofrem impactos financeiros. Diferentemente, se o Judiciário brasileiro garante às empresas que o custeio será limitado a aqueles procedimentos listados pela Agência, a precificação dos serviços de plano de saúde não precisará, necessariamente, transferir ao consumidor o custo desses procedimentos adicionais, viabilizando preços mais competitivos e práticas comerciais mais favoráveis aos consumidores.

Isso significa que os preços dos planos de saúde serão reduzidos? Não necessariamente. Os preços são definidos por variados critérios, relativos ao mercado, à inflação e à competitividade. A questão relativa à segurança jurídica é apenas um dos elementos que entra nessa complexa equação. Todavia, um ambiente de certeza, a médio e longo prazo, tende sim a beneficiar o consumidor, permitindo que as empresas precifiquem com maior segurança os produtos que oferecem ao mercado e viabilizando serviços e preços mais competitivos.

E aqui vale uma ressalva. A definição proveniente do Superior Tribunal de Justiça não fechou os olhos para os casos excepcionais, deixando o usuário de planos de saúde em situação de abandono nas hipóteses em que o rol da ANS se mostrar absolutamente inadequado. Diferentemente, definiu que se o tratamento necessário ao paciente não apresentar substituto terapêutico dentro do rol da ANS, pode sim o plano de saúde vir a ser obrigado excepcionalmente a custear o tratamento fora do rol, respeitadas condições especiais relativas à plena demonstração de eficácia e da recomendação de órgãos técnicos e científicos.

O Judiciário brasileiro necessita trabalhar para um ambiente de maior segurança jurídica e de melhora do ambiente de negócios, para que as empresas possam ganhar competitividade e eficiência, e gerar riqueza para o país e seus habitantes. Parece-me que o STJ seguiu essa linha na data de ontem, sem ignorar a possibilidade de tratar excepcionalmente casos excepcionais.

 

Artigo de Marcelo Pacheco Machado, publicado no dia 09 de Junho de 2022 na coluna Opinião do Jornal A Gazeta

https://www.agazeta.com.br/artigos/plano-de-saude-sociedade-tambem-ganha-com-certeza-juridica-do-rol-taxativo-0622

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